quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

RECIFE 1978 - Segunda parte

Tereza morava com a família em um quase casebre enfiado no meio do mato, na periferia da cidade de Olinda. Fui ali uma ou duas vezes. Depois que chegamos a Recife, Tereza praticamente não saía de nosso apartamento.

Um dia ela começa a nos falar sobre uma tal de Árvore de Jurema e ficou insistindo para nos levar até lá. Onde a memória me permite distinguir, ficava no caminho do município de Paulista. Resolvemos ir. Eu, meu irmão, Rogério, Nelson e Mário.

Atravessamos uma mata e chegamos a um descampado com um córrego de águas cristalinas e seixos lindíssimos. Cruzamos o córrego. Tereza disse que, antes da Árvore de Jurema, nos levaria para conhecer o padre Cícero. Olhamo-nos, já estranhando a situação.

Padre Cícero era uma árvore frondosa, muito larga. Haviam lascado uma grande parte dela e pintado a figura do líder religioso do nordeste, com o tamanho aproximado de uma criança de 10 anos. A parte esquisita da história ficava por conta das inumeráveis perfurações à bala na cabeça, mãos e coração da pintura. Eram tantos tiros que essas partes do corpo haviam desaparecido. Tereza nos garantiu que durante a noite podia-se ouvir o barulho dos disparos, mas ninguém sabia quem era o responsável.

Seguimos adiante, até onde a mata se fechava completamente. Não havia qualquer sinal de trilha, nada que indicasse que pessoas penetrassem naquela muralha. Adentramos naquele emaranhado de árvores, mato, galhos e cipós, liderados pela Tereza. Finalmente chegamos à Árvore de Jurema.

Era um descampado, em forma de círculo, com uns 20 metros de diâmetro, no meio da mata. O entorno era mata fechada, sem qualquer sinal de que algum humano tivesse chegado ali. Ao centro, a Árvore de Jurema. Algo parecido com o cacaueiro. Sem um tronco aparente e os galhos brotando em diversos pontos do círculo. O chão desse círculo, sem qualquer outra planta, estava totalmente coberto de tocos de velas pretas e vermelhas. Não era possível ver o chão sob aquela espécie de asfalto rubro negro. Tereza também nos garantiu que ninguém sabia nada sobre os possíveis frequentadores daquele local, nem como sabia da sua existência.

Por mais cético que possamos ser não há como não sentir um frio percorrendo a espinha. Em silêncio saímos rapidamente do local.

Na volta resolvemos parar no córrego de águas límpidas e nos agachamos para pegar alguns seixos. Por alguma razão olhamos para trás, de onde tínhamos vindo. Ali, uns 10 metros da gente, um sujeito enorme, que lembrava muito o cantor e compositor Dominguinhos, com uma espingarda, ou rifle, apontando pra nossas costas. Não disse uma palavra.

Levantamo-nos muito lentamente e lentamente fomos nos afastando. Ele imóvel, apontando a arma em nossa direção. Assim, de forma muito lenta saímos do seu campo de visão e, claro, do alcance de um possível tiro.

Nunca comentamos, entre nós, sobre essa experiência. Acho que todos vivenciaram algo parecido com o que eu vivenciei: a possibilidade de uma morte onde ninguém jamais saberia que estávamos mortos.

Nunca indaguei a Tereza pra entender o que ela representava naquilo tudo. Quem era aquele homem armado, tão próximo da gente e não percebemos sua presença?


Estando sozinho o efeito da maconha até poderia justificar, mas em grupo, só alucinação coletiva.

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