quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ADESTRAMENTO

A hipocrisia só me afeta no sentindo da tristeza em ver o quanto são hipócritas. Alguns usam bem a pequenez dos hipócritas. Eu, sinceramente, descarto.

PONTO DE MUTAÇÃO

Talvez minha maior conquista contra a mediocridade foi saber tornar-me uma pessoa facilmente esquecível.

PIA CHEIA

As pessoas costumam a se aferrar aos costumes, crenças e tradições como àquela velha xícara, irremovível, que a falecida mãe usava, guardada no depósito de memórias do armário de novas louças. Uma forma de resistência aos novos pratos, pires, copos e xícaras legados a uma provisória hospedagem nas prateleiras do passado.

Caetano Veloso, já em 1967, questionava: Que juventude é essa? Vocês são a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem!

Essa farta indignação contra o poder estabelecido, por métodos questionáveis ou não, proclamada diariamente pelos ativistas virtuais, se ampara em velhas tradições esquerdóides, valores tão superados quanto aqueles em que se sustentam os conservadores.

Dentro dos valores tradicionais, tanto à direita quanto à esquerda, os conservadores venceram e continuarão a vencer. Nesse plano, onde são insuperáveis, transformaram toda e qualquer manifestação contra em ridículas, cansativas e desacreditadas arengas. Conseguiram que grupos ou partidos, ditos de esquerda, entrassem em seu jogo político e se igualassem por baixo. E sobre essas bases se sustentam essas indignações.

O poeta Oswald de Andrade dizia que devíamos olhar o novo com novos olhos. Mas a poeira assentada sob as velhas louças do passado turvam o olhar, no máximo condescendente, aos novos pratos.


E vamos a cada novo dia almoçando, em velhas louças, o resto do jantar de ontem. 

JOHN LENNON EM NOVA YORK - VALE LER

O livro John Lennon em Nova York, de James A. Mitchell, talvez não agrade tanto aqueles fãs mais tradicionais dos Beatles, pois compreende um período em que a banda estava recentemente separada. Embora a relação entre John e os outros membros, pós-separação, seja pincelada aqui e ali, não é o foco principal do livro.

O objetivo do livro é traçar um painel no início da década de 1970, quando John Lennon envolveu-se com os grupos radicais de esquerda norte-americanos. Ali desfilam personagens radicais, desde os anarco-histriônicos Jerry Rubin e Abbie Hoffman, do Partido Internacional da Juventude (Yppies) e também envolvidos no processo conhecido como Os Sete de Chicago, passando por John Sinclair, líder do grupo Panteras Brancas (grupo antirracista de apoio aos Panteras Negras), até movimentos feminista ou pacifista e os Panteras Negras. Grupos e pessoas que investiram alto nesse comprometimento de Lennon com suas causas e, o objetivo maior, detonar a campanha presidencial de Nixon, atraindo o voto da juventude.

Interessante também o envolvimento e a relação de John com a Elephant’s Memory Band, uma banda de rua, ligada ao underground e aos radicais nova-iorquinos, da qual Carly Simon já havia sido vocalista. Estruturavam-se sobre uma base sólida de jazz, blues e rock e tinham a responsabilidade de ser a nova banda de um dos heróis deles. Os depoimentos dos membros da Elephant’s sobre essa relação, sem estrelismos, com Lennon confirma o respeito que todos os músicos, seja Keith Richards, David Bowie, Elton John ou Joe Strummer, tem por ele, como músico ou pessoa.

A consequência dessa atividade político-musical foi um longo processo de deportação, que John e Yoko enfrentaram, baseados em uma prisão que Lennon teve por porte de maconha. O caso virou uma questão pessoal do diretor do FBI, J. Edgar Hoover e do presidente Richard Nixon, que em sua paranoia via nesse movimento uma grande ameaça à sua reeleição.

Uma das grandes surpresas do livro é quando Elvis Presley, com sua doença por armas e distintivos policiais, procura o presidente Nixon e se oferece como espião, pois era bem relacionado no meio artístico, para entregar os comunistas e os drogados. Chegou a afirmar ao mandatário que os Beatles eram uma arma comunista infiltrada para destruir os alicerces da democracia. Nixon, constrangido, não levou a sério esse encontro e deu um falso distintivo policial ao rei do rock.


O livro é totalmente baseado em entrevistas com os envolvidos e documentos, por exemplo, do FBI, hoje abertos à consulta. Algumas histórias são tão ridículas que lembram muito a polícia brasileira. A capa do processo contra Lennon tinha uma ilustração, pois os agentes do FBI alegavam que não conseguiam uma foto dele. Falavam de um dos homens mais fotografados do século XX. Ou mais tarde, quando os agentes federais receberam uma foto, supostamente de Lennon, para identificá-lo em meio a uma manifestação. A foto era do ativista e músico de rua David Peel.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

DAS PROFUNDEZAS

Se deus existisse, seria ele menos cruel?

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS Nº 09

O QUE VALE É O MORTO


Tragédia. Um avião cai matando um número grande de pessoas. Entre elas alguns jornalistas conhecidos e um número, ainda indeterminado, de jogadores do Chapecoense, clube profissional pequeno, caminhando para seu melhor momento dentro do futebol.

Na ânsia necrológica, mascarada muitas vezes por suposta comoção, publica-se de tudo. O que vale é morto. Estão pouco se dando a tudo aquilo que envolve uma possível vítima. Não se confere nada. Nada se investiga. Uma hora aparece uma notícia com o nome de alguém dado como morto para negá-la logo em seguida. Ninguém quer saber o que esse tipo de irresponsabilidade, tanto da imprensa quanto dos “curtidores” e “compartilhadores” profissionais, provoca no entorno familiar e social do possível sobrevivente.

Claro, as carpideiras estarão presentes com suas lágrimas fáceis. Estarão publicamente solidárias com familiares e amigos, elevados da indigência à celebridades do desconhecimento. Publicamente se lamentam e publicamente querem se provar humanos. Exercícios sentimentaloides jorram aos borbotões na desesperada luta em ser um na manada dos bons sentimentos cristãos.

Tragédias permitem, de maneira única, toda forma de ação e manifestação oportunista. O uso e abuso da fragilidade.

Todos somos bons!


Meu deus, já não basta a tragédia em si? Apenas respeito.

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS 08

Ainda precisamos de celebridades endossando nossas crenças. Somos ninguém. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Um café cultivado, torrado e moído em uma fazenda no Paraná. Tomá-lo, agora, depois de um encontro sem precedentes é um convite aos delírios.

AMPLIANDO SENTIDOS

Quinta-feira próxima, ainda sem certeza Antoni Gaudí, mais tarde, com toda certeza ouvir Bela Bartok sob o comando do maestro Júlio Medaglia. 

EPISTEMOLÓGICO?

Não sei se nada sei...

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS 07

Não existe romantismo na prostituição. O exercício infantiloide na busca de popularidade custa muitas fodas e nenhum prazer. 

domingo, 27 de novembro de 2016

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 15

Minhas verdades, em verdade pseudoverdades, pois nem eu nelas me fio, são personagens de um bufão preso a um drama canhestro.

Há quem compre. Há quem encontre respaldo em suas pseudoverdades na superficialidade das minhas supostas verdades.

Assim as exponho: pelo ridículo!

Não há deus que me atormente. Nem o cu da vaca hindu.

Levar-me a sério é apenas uma crença na sua fausta existência.


Já estou morto e não levo ninguém.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 14

2016 é um ano das minhas mortes. De fato, ainda restam alguns dias para o fim, do ano, não necessariamente para mim.

Assim, persiste a dúvida: sou um cidadão sem deveres ou um marginal altruísta?

sábado, 26 de novembro de 2016

BASEADO EM REFLEXOS

Não. Não mesmo. Não vou ficar com esse papo de maconheiro olhando-se no espelho e questionando se ele também tem vida do outro lado. 

Com os olhos vermelhos, penso como é possível acreditar que haja vida desse lado.

DIÁLOGOS PORNOGRÁFICOS EM SITUAÇÕES ABSURDAS 02

Tínhamos um acordo tácito. Assim, subjetivo, nunca firmado em papel timbrado ou cartório.

A gente se encontrava algumas vezes. Transar com ela era muito bom. A gente se gostava assim. Descompromisso de muitas cervejas e muitas risadas. Sempre fomos alegres.

Algumas vezes ela estava com alguém. Outras alguém estava comigo.

Na última vez que fizemos sexo ela se voltou pra mim, me abraçou e disse que estava se apaixonando.


O amor é um assassino cruel. 

DIÁLOGOS PORNOGRÁFICOS EM SITUAÇÕES ABSURDAS

Pelo rabo do olho percebi que ela me observava já havia algum tempo.

- Você acredita em vida antes da morte? perguntei-lhe com vetusta gravidade que prenuncia uma brincadeira.

- Acredito na vida. Nisso aqui... eu e você juntos! respondeu-me com um olhar terno de quem realmente acredita no que diz.

Me calei, ou não haveria sexo.

Um dos momentos em que mais desejei estar só.

A ARTE ÁVIDA IMITA

Vermeer foi uma espécie de rede social holandesa, entre meados e fins dos anos 1600, só que com transparências de cores e excepcional elegância.

COMUNISMO CASTRATIVO

Fidel morreu para dar a oportunidade aos experts das redes sociais vencer o capitalismo.

PREGANDO UMA PEÇA

Toda relação é um molde. Como água, onde um, ou os dois, assenta sua fluidez.

A origem pode ser a amizade, o sexo, uma relação amorosa ou profissional.

Busca-se moldar os mesmos gostos, adaptar-se aos mesmos desejos e definir as mesmas perspectivas. Um olhar único.

Processo doloroso de automutilação. Um sobreviver na vida alheia.

Apenas sonhos, travestidos na automação da felicidade. Somos todos poetas, somos todos justos, somos todos indignados e buscamos ilusões programadas. Moldados no recipiente dos interesses.

Nenhum sonho pode sobreviver por muito tempo como parasita daquilo que acredita ser o sonho do objeto.

Em um momento acorda tal qual em pesadelo, sem necessariamente sê-lo. Aí se é.

Quando se é, torna-se necessário mostrar-se. Mostrar-se, acredita-se, é estar livre dos sonhos alheios. Uma liberdade que prende aos novos moldes.

Enformados se faz necessário transgredir e simular. Toda liberdade contida em novos recipientes é uma forma de sedução aos anteriores. Liberdade em cadeia.

Atores em representação programada.


Como expectador decidi não comprar ingressos.

TEATRO

Jamais desmontaria, em falsa atuação, suas crenças/mentiras/verdades. Elas não me interessam, ou incomodam, seja como repúdio ou sedução. Aceitá-las seria crer que também as tenho. Pura ilusão.

Fim do primeiro e único ato.

REFLEXÕES INTEMPESTIVAS Nº 04

Sem exposição, minha última derrota foi como avalista. rs rs rs...

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS 06

Sem orgulho ou mortificação, ser um eterno derrotado, foi estar em todas as batalhas. Internas e externas.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS 05

Hipocrisia é apenas um exercício no qual você delega à outrem a responsabilidade de descobrir aquilo, em você, que muitas vezes nem mesmo você sabe que é você.

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS 04

Nunca pretendi ser censura às tuas vergonhas. Esquenta não, liberou geral!

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS 03

Black Friday é o Black Mirror dos famintos.

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS 02

Sem mim o mundo ainda seria. Eu, sequer ausência.

CONSIDERAÇÕES MISERÁVEIS

Aquilo que era intragável, agora consome-se como café fresco. Aquilo antes recusa, agora aliciamento? Aquilo antes insuportável, agora simpática leveza.

Assim vou vendo. Assim vou rindo.

FALANDO DA MARLI

O primeiro contato que tive com a Marli foi ainda adolescentão ginasiano. Ela recém-saída da prisão. Eu e um amigo, o Mário Barnabé, estávamos indo a pé da estação ferroviária para o centro de Caieiras, quando a encontramos e subimos conversando. Não me lembro do teor da conversa, provavelmente futilidades. Eu apenas a conhecia de vista e, claro, pela fama de “subversiva”, adquirida no município, por ter sido presa pela ditadura militar. Cumpriu dois anos sob torturas.

Anos depois ela acabou se aproximando da “nossa turma” e ficamos muito amigos. Saímos muito juntos pra ir ao cinema e ao teatro, pra ver fósseis em pedreiras ou mesmo passeios corriqueiros sem qualquer motivo especial. Não havia qualquer relação que não fosse amizade.

Marli foi minha exegeta nas questões políticas. Sete anos mais velha que eu e uma bagagem de vida ainda maior. Não que eu fosse um alienado total, mas ainda não passava de um ripongo rebelde. Foi por seu intermédio que comecei a ter contato com os escritos de esquerda. Além de centenas de artigos, revistas e jornais que ela me passava, acabei lendo outra centena de livros de, ou sobre, Marx, Lênin, Trotsky, Mao Tse Tung, Rosa de Luxemburgo, Alexandra Kolontay, Revolução Russa, Chinesa ou Cubana, entre tantos. Também com a Marli tive meus primeiros contatos com a literatura soviética, ainda que pese ser o Realismo Russo. Ela ali presente pra discutir e dirimir minhas tantas dúvidas.

Dessa maneira, assim, sempre juntos algo teria que acontecer, mais cedo ou mais tarde. Aconteceu, não sei se cedo ou tarde, pois estava bêbado, na casa de um amigo, o Abel. Depois disso fomos viajar juntos por uns dias.

Ela acabou engravidando e acabamos casando. Casamento não estava nos planos, mas o fizemos por um pedido da mãe dela e do meu pai.

Eu e a Marli nunca tivemos um relacionamento tradicionalmente romântico, tipo novela ou romances melosos. Tínhamos muito carinho e respeito. Tínhamos em comum, mesmo com as diferenças de concepção políticas que foram surgindo entre nós, a indignação contra o capitalismo, a luta contra a exploração, aquela vontade de transformar o mundo. O alicerce da nossa vida em comum estava extremamente fundado nesse aspecto. Pode parecer duro dizer algo assim, mas tínhamos uma militância em comum.

Com o tempo as decepções políticas foram surgindo. Dois filhos nasceram. Tempos depois passei a frequentar o Centro de Cultura Social, no Brás. Um grupo libertário. A Marli, também desgastada pelas decepções, foi se recolhendo cada vez mais, mantendo praticamente apenas uma atuação dentro da sua categoria profissional, os professores.

Nossa relação, enraizada nas questões políticas, também foi se desgastando. Tínhamos perdido em todos os sentidos, mas principalmente a chama.

Acabamos por nos separar e mais tarde veio o divórcio. Muito por minha culpa. Além desses fatos, que só percebemos mais tarde, nos afastamos devido minha incapacidade e, algumas vezes, por falta de sensibilidade, em perceber esses processos e aquele mais profundo pelo qual eu estava passando. Não soube lidar com essas minhas mudanças e trouxe com isso muita mágoa. Não fico me martirizando com culpas, mas tem algo aqui dentro que sempre incomoda.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 13

Em verdade vos digo, não vejo problemas no mundo. O problema está em como eu vejo o mundo.

ANA QUE ANINHA

Eu ainda estudava no período da tarde, no colégio Walther Weiszflog. Eu e a Aninha estudamos um ou dois anos juntos, na mesma classe, no chamado ginasial.

Hora do recreio, aula vaga ou aula matada, a gente descia pra av. dos Estudantes, em frente ao colégio, pra fumar e ficar conversando. Aninha tinha uma amiga inseparável, da qual, insistentemente, esqueço o nome. Acho que Deda. Ou Leda? Ou Eda?

Desde que a conheci sempre me chamou a atenção. Ela era diferente do padrão menininha de Caieiras. Não, não era tesão ou paixonite de adolescente, ou algo que o valha. A coisa nunca rumou por esse caminho. Era algo diferente. Era uma sensação de estar próximo a um igual. Tão jovens, era uma idade em todos nos achamos diferentes, que ninguém nos entende ou que só nós sabemos das coisas. Uma idade egoísta pra se dividir.

Eu, começando meus primeiros passos no “underground”, sentia-me menos “único” na presença da Aninha. Muito provavelmente ela nunca tenha sentido essa química que me enlevava. Minha excessiva timidez nunca permitiu dividir isso com ela, embora sempre estivéssemos conversando. Sempre simpática Ana tinha atitude. Era isso que me chamava a atenção.

Um dia o professor de português pediu que a classe escolhesse um aluno, que ficaria sentado à frente, para ser entrevistado pelos demais. Aninha foi a escolhida. Não me lembro das perguntas feitas, mas, provavelmente ficaram nas bobagens tradicionais de aborrescência. Namorado? Apaixonada? Qual sua cor preferida? Já leu o Pequeno Príncipe?

Quando chegou minha vez de perguntar, mandei um direto:

- Ana, você é a favor da legalização da maconha?

Mal deu tempo dela responder afirmativamente, o professor puto da vida acabou com a brincadeira. Uma bronca em mim por ter perguntado e uma na Ana por ter respondido. Alguns anos depois esse professor tornou-se o segundo homem no escalão do DOPS, em São Paulo, ainda durante a ditadura militar.

Depois disso só fui reencontrar a Ana por volta de 1982. Foi em um comício do PT, no bairro da Lapa, em Sampa. Eu estava com a Marli e nossa filha, Maíra, ainda de colo e meus cunhados Edson e Selma. A Ana estava com seu marido e pouco deu pra gente conversar, além dos cumprimentos.

Agora, mais recentemente, mais uma vez reencontro a Ana. Fico feliz em poder vê-la bem, carinhosa e cuidadosa com os amigos. Sempre doce, é uma amizade que quero preservar. Se já não temos aquela energia e ousadia da juventude, mantemos um respeito profundo pelo humano.


Com mais idade, menos tímido, talvez um dia lhe entregue essa confissão. 

TURMA


Foto: À esquerda (agachado e com o violão de 12 cordas) o José Antonio. Não consigo identificar as duas pessoas no canto superior esquerdo. Eu de branco, numa pose superstar. A Leila e o Emi. A garota de branco abraçada ao Emi deve ser sua prima Cristina. Depois vem o Maurão e seu indefectível casaco. Em seguida meu primo Nelson e um senhor que não me lembro quem é. Agachados: meu primo Wilson Rogério (com as maracas), o João (com a flauta) e meu irmão nos bongôs. 


Daquilo que costumávamos chamar de “nossa turma”, que nasceu lá na infância e foi se fortalecendo na adolescência, além das lembranças, pouco sobrou. Nem muitas fotos.

Da turma “original” estão vivos dois primos, Nelson e Sidnei, meu amigo mais profundo, o Marcos, e eu. Mortos, meu irmão Kaká, o Rogério, o João, o Emi e o Mário. Desaparecido, o meu primo Gilmar.

Havia também um pessoal que rondava a turma, que chamávamos de satélites. Muitos ainda rondam por aí, o Maurão, o Wande, a Beth Brilhante, o Zé Sábado, o Zé Body (ainda vou visitá-lo em São Tomé das Letras), a Dorinha Brasil e o Fábio. Sem notícias do James Brown (nunca soube seu nome verdadeiro), das três irmãs, de Franco da Rocha, das quais me lembro apenas o nome de uma, Ângela. Aquela menina que fazia jornalismo, também de Franco da Rocha, fica aqui sem nome ou notícias. A Marilin, onde anda?

Minha namorada desses gloriosos tempos era a Ediza, hoje casada, com filhos e, pelo que sei está bem. A Marlene ficou viúva do Emi. Também está bem.

Esses são alguns nomes e desnomes que surgem nas conversas com o Marcos e o Nelson. Sempre falta algum que se fará lembrado nos próximos papos de anos acumulados.

Conversas diferentes daquelas que, nos idos anos de 1970, chamávamos de Sessões Malditas. Fazíamos encontros, de madrugada, na casa do Emi, uma edícula no fundo do terreno, com dois quartos e um banheiro, pra falar mal de quem não estivesse presente... rs... Era uma catarse coletiva, mas sem maiores consequências. Também tocávamos e cantávamos a noite inteira.

A maconha veio nos meus 15 anos, meu irmão com 13, o Emi e o Nelson um ou dois anos mais velhos que eu. Os primeiros da turma a experimentar. Ao que parece, contrariando o que se diz por aí, minha memória não foi tão afetada assim.


Estou ficando tiozinho!

DE WANDA

Eu tinha acabado de romper meu primeiro namoro mais longo. Um ano e meio. Foi nesse período que ela me apareceu.

Wanda era caixa no banco onde eu ia receber meu pagamento. Há muito tempo eu observava aquela menina morena e muito bonita. Praticamente rezava para ser atendido por ela. Simpática e toda sorrisos, me deixava gaguejando quando dava sorte de cair no seu caixa.

No mesmo banco trabalhava uma amiga que namorava meu grande amigo à época. Eles estavam sempre em casa, ajudando-a nos trabalhos de seu curso de psicanálise, ou saindo pra algum lugar.

Passado uns dias do rompimento do meu namoro, esse casal me convida para irmos ao cinema e ela diz que vai convidar uma amiga.

Sim, esperto leitor, era ela, a Wanda. Nosso primeiro filme foi Decameron, do Pasolini. Menina inteligente, nada introvertida e com uma boa base cultural, coisa rara em Caieiras. Nos encontramos e saímos algumas vezes, mas, na verdade, não desenvolvemos propriamente um namoro. Tínhamos substância, mas faltou algo que fizesse a liga perfeita.

Fiquei sem vê-la durante um período. Quando houve um assalto à agência bancária onde ela trabalhava. Coisa medonha, com a morte de uma menina, gente presa no banheiro, reféns, ação inconsequente de uma polícia despreparada e toda loucura que envolve esse tipo de violência.

Abalada, pois estava presente durante o assalto, Wanda, depois disso, nunca mais foi a mesma. Surtou total. Foi deformando seu corpo na mesma proporção que se desestabilizava mentalmente. Essas notícias me chegavam através da amiga comum. Como a coisa ainda pode piorar, Wanda tornou-se uma fanática religiosa.

Mais recentemente tive notícias de que ela melhorou muito. Conseguiu se estabilizar. Ela ainda pergunta por mim, dizendo lamentar ter me perdido.


Eu também, não achado, mandei-lhe um beijo.

NOTE-ME!

As pessoas continuam em sua ufanista e enfadonha luta virtual contra as mazelas do mundo, assim como seus pares.

As pessoas continuam publicando coisas, das quais pouco conhecem, mas que as distinguem entre seus pares.

As pessoas continuam idealizando sua personagem preferida, em uma arraigada batalha campal contra seus pares.


Compreensivo, não faço disso uma crítica, pois mais que um exibicionismo exacerbado, esse comportamento é um processo de sedução. 

REFLEXÕES INTEMPESTIVAS Nº 03

A dificuldade, meu bem, talvez resida no fato de tudo o que eu tenha dito, feito ou sentido haja um precedente,

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 12

Penso que, ao recordar, a posteridade é um consolo.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 11

Nada mais frágil no ser humano que, acredita ser, o amor. Por ser frágil, é aquilo que fragiliza o Homem.


Nada mais o fortalece que a prepotência.


Deus assinaria essa súmula.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 10

O coro dos contentes costuma dizer que a vida é um risco e viver é assumir esse risco. 

Quando a vida nos permite assumir alguma coisa? 

Uma hora ela nos marca, outra nos risca. 

Mas entendo o anseio de felicidade de quem tem um deus, um psicanalista ou um cachorro.

PEDRO, ONDE CÊ VAI EU TAMBÉM VÔ!

Caminhando pelo centro de Caieiras alguém me chama, em meio a um amontoado de pessoas em um ponto de ônibus, que eu tentava atravessar na estreita calçada.

- Ô Rubinho!

Voltei-me e lá estava o Pedrinho. Eu o chamo de Pedro.

Pedro é das pouquíssimas pessoas onde existe uma reciprocidade no gostar. Uma alegria exuberante nos encontros, hoje, cada vez mais raros. Entre nós nunca houve expectativas ou exigências. Apenas um Pedro e um Rubens que se gostam.

Não sei bem onde começamos nossa amizade. Trabalhamos juntos durante um período, mas já nos conhecíamos antes disso. Adolescentes, éramos vizinhos, só na base do cumprimento formal.

Depois estávamos indo ver diversos shows juntos com o Landinho e os falecidos Antonio e Minhoca. Língua de Trapo. Patrício Bisso. SESC Pompéia. Projeto SP. Madrugadas passadas nos bailes para a terceira idade, no salão da União Fraterna, por termos perdido a última condução. Muita cerveja.

Pedro tem o humor em seu esqueleto. Dá-lhe um sustento, em oposição à languidez que a vida poderia proporcionar. Proporcionou. A cerveja deu-lhe uma liquidez solidificada. Não perde uma piada, com sua eterna camisa de mangas curtas, desabotoadas até o umbigo e as calças jeans largas, sempre dando a impressão que vão cair.

Sempre o conheci com barba longa que, hoje, percebi totalmente branca. Mas o humor impecável.

- É, continuo com meu diabetes. Parei de beber e de fumar. Minha família reza até hoje, agradecendo. E ri muito da doença.

Passamos um pouco pelas conversas e recordações geriátricas. Doenças. Mortos. Sumidos.

Contei-lhe que meu primo, Nelson, amigo comum, costuma passear no cemitério, um lugar ainda seguro para algumas leves ilegalidades, e fica observando os túmulos.

- Por isso não te vejo há tanto tempo. Nossa, por isso não te vi mais. Vai comentado a cada túmulo de pessoa conhecida que encontra, agora sabendo morta. Atualizações necrológicas.

Pedro deu muita risada do método do meu primo.

- Realmente, somente duas coisas podem consolar a gente: uma é visitar o cemitério e tripudiar por estarmos vivos. Outra é andar de ônibus, onde só tem gente feia. Rimos e nos abraçamos.


Abraçados prometemo-nos pelo menos mais um encontro antes da visita do meu primo ao cemitério.

CARL T. DREYER

Como houvesse alguma, a espiritualidade, vista em todas as formas em que se quer existir, deve muito ao cinema de Carl T. Dreyer. Filmes como A Palavra, Dias de Ira, O Vampiro ou Gertrud nos remetem ao cinema moderno dinamarquês, nas mãos, por exemplo, de um insólito Lars Von Trier. A Dinamarca e suas heranças.

IDEOGRAMAS

Para Maria Augusta


Nesses raros momentos sou assim. Um cultivo de morango imaginário entre cães que ladram ao meu fantasma. Sou terra plantada na curva dos traços de um pincel úmido. Sumi-e existencial. Sempre fomos onde somos.  Kabuki ontológico.

REFLEXÕES INTEMPESTIVAS 02

Você clama por uma justiça que, diante dela, nos torna todos iguais? Caralho, você nunca se olhou no espelho?

terça-feira, 22 de novembro de 2016

UMA SENHORA



Domingo passado, aquele calor que vai deixando a marca da segunda-feira tatuada no corpo, eu e um primo nos recuerdos e conversa mole, em pura bundação, eu largado no sofá e ele em uma poltrona, na sala de casa. Cenário de que nada de extraordinário poderia acontecer, ou que nos obrigasse a tirar as bundas confortavelmente instaladas.

Toca o telefone e, com o pouco de vida que ainda me restava, fui atender. Do outro lado a voz de uma senhora, aparentando ser idosa, perguntava sobre minha mãe. Disse-lhe que minha mãe já havia falecido fazia 10 anos. Ela permaneceu em silêncio durante algum tempo, depois, visivelmente emocionada voltou a falar comigo. Parecendo um tanto inconformada com o fato, fez-me uma série de perguntas e, finalmente, lamentando e dizendo-se muito triste com a notícia.

Contou-me que minha mãe, quando foi responsável pela creche dos filhos dos funcionários do hospital psiquiátrico do Juqueri, havia sido sua chefa e trabalharam juntas durante um bom tempo. Depois perguntou pelo meu nome e qual dos dois meninos era eu. Ela se referia também ao meu irmão. Até os 5 anos de idade fiquei nessa creche. Disse-lhe que eu era o mais velho, o Rubens. Ela riu e perguntou-me se eu me recordava quando dizia que ela era minha namorada. Não me recordei, pois com essa informação houve confusão em minha memória.

A senhora está hoje com 78 anos, eu com 61. Na creche, onde minhas lembranças alcançam, eu estava com a idade entre 4 e 5 anos, portanto, ela estaria, à época, com 22 ou 23 anos.

A confusão em minha cabeça se faz por eu me recordar de outra funcionária da creche, por quem eu nutria minha paixão infantil, Terezinha Hidalgo, hoje falecida, de quem guardo o rosto até hoje, com seus grandes dentes salientes. Será que foram duas paixões que embuti em uma só?

Conforme a conversa foi transcorrendo fui deixando a mulher cada vez mais consternada, pois o desfile de mortos não parava de crescer, à medida que ela ia me perguntando. Minha mãe, meu pai, meu irmão e mais algumas pessoas das quais ainda conseguia me recordar. Finalmente pediu-me para que me informasse sobre outra antiga amiga de serviço, que mora aqui em Caieiras, se estaria viva, se poderia conseguir telefone, etc. Através de uma conhecida soube que essa amiga dela está viva e bem lúcida. Ficou de mandar o número do telefone da casa dela para que eu possa enviar para minha antiga “namorada”.

Ao final da conversa, já menos abatida, deu-me seu endereço, mora em Jundiaí com a filha, e insistiu para ir visitá-la, pois quer muito me rever.

Conversei com minha filha e, assim que estiver de posse do número do telefone da sua amiga, vamos juntos visita-la. Quero muito vê-la. Quero muito, não rever, pois a memória me tirou a primeira vez, mas estar perto de quando ainda me era possível ser paixão.

AMARCORD

Ao Rodrigo Machado Freire


Fundar um partido político, dito de esquerda, lá pelo fim da década de 1970 e começo da de 1980, em uma cidade conservadora, como Caieiras, era uma tarefa hercúlea. De um lado o domínio de uma empresa, dona de 70% do total das terras do município que, junto à igreja, determinava o modus vivendi da população. Do outro lado, políticos populistas, venais e conservadores que se confundiam, mesmo sob o rótulo de situação ou oposição.

Ainda vivíamos sob as asas negras da ditadura militar, embora acreditássemos, à época, que já era seu estertor. Sob essa situação tivemos todo cuidado no trabalho de legalização do partido, inclusive na burocrática, pois estávamos conscientes de todos os empecilhos que iríamos enfrentar. Essa postura nos rendeu elogios, por parte dos responsáveis pelo cartório eleitoral da região, como o único partido a se legalizar sem qualquer problema e, acreditem, um dos primeiros de todo o estado de São Paulo a estar totalmente registrado, sem qualquer pendência nas exigências do TRE.

Com toda essa burocracia, além das provocações e perseguições policiais, essa questão não foi, de longe, a mais complicada. Estávamos próximos às primeiras eleições após a reforma partidária e aqueles amigos, os primeiros filiados na fundação do partido, começaram a trazer outras pessoas, a eles ligadas, com o claro objetivo de saírem candidatos. Com raríssimas exceções, não havia qualquer identificação ideológica. Em uma ponta apenas números que garantiriam votos em qualquer decisão e, em outra, a possibilidade de um cargo eletivo.

Portanto, o PT – Partido dos Trabalhadores, em Caieiras, nasce sem qualquer identidade. Toma corpo dentro do interesse eleitoreiro de algumas “lideranças” sobre o interesse eleitoreiro de gente que só tinha esse objetivo.

Marli, Abel e eu formávamos o grupo radical. As relações com essas pessoas passaram a se deteriorar assim que começamos a defender as responsabilidades ideológicas. Ninguém estava interessado na formação de núcleos, ninguém estava interessado em discutir os princípios do partido, que não conheciam. Embora levássemos alguns especialistas, em reuniões, poucos estavam interessados na construção de um plano educacional, de saúde ou de obras para um possível governo popular.

Marli, com quem eu era casado, era um ex-presa política, assim como o Abel, também preso durante a ditadura militar. Eu era o sujeito anárquico, rockeiro, como chamavam, e meio ripongo. Esse conjunto era o que provocava evoluções intestinais na sociedade caieirense. Não imaginávamos apenas que também estaria no bojo do partido.

Uma noite, o presidente do partido e nosso compadre, também candidato a prefeito, aparece em casa meio sem jeito, querendo falar alguma coisa. Enrola daqui, enrola dali e, muito constrangido, nos diz que os membros do partido vinham se reunindo sistematicamente para discutir a expulsão de nós três. Dessas reuniões vinham participando pessoas muito próximas, que considerávamos amigos e, inclusive, esse nosso compadre e companheiro que, na última hora, teve dores na consciência.

O motivo da expulsão, bem, a Marli e o Abel eram subversivos e eu era maconheiro.

Marcamos uma reunião e colocamos o caso em questão e, que se assim decidissem, nos expulsassem cara-a-cara e não através de encontros às escondidas. Óbvio, covardes como eram, ninguém se manifestou. Ninguém assumiu nada. Ninguém acusou ou se desculpou. Somente silêncio. Nunca mais ouvimos qualquer outro comentário sobre isso. A partir daí uma nova relação surgiu com essa gente, pois, cordeiros amedrontados como eram, passaram a aprovar toda e qualquer proposta que um dos três apresentasse, sem qualquer questionamento. Não que fossem se empenhar em executá-las, claro.


Essas questões com “amigos” se repetem em todos os setores onde convivemos e em todos os momentos das nossas vidas. Hoje, em um mundo cada vez mais virtual prefiro mantê-los poucos e cada vez mais virtuais. Aos amigos, mesmo distante, sempre o calor da verdade e do abraço.

DESARTE

A busca insana de sobreviver da arte é, em grande parte, desastre e, destarte, descarte.

CEMETERY BLUES

Ao fim, a indigência parece nos conferir certa relevância. Não ser enterrado na vala comum ainda nos deixa, pelo menos a nós próprios, a sensação de ser Um.

CEMETERY BLUES

Ao fim, a indigência parece nos conferir certa relevância. Não ser enterrado na vala comum ainda nos deixa, pelo menos a nós próprios, a sensação de ser Um.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

HORTIFRUTECNOLOGIA

Não sou necessariamente um vegano em relação às novas tecnologias, mas o uso que fazemos dos computadores, smartphones e tablets os transformam nos transgênicos das relações humanas. Claro, devidamente protegidos pelos agrotóxicos das redes sociais,

sábado, 19 de novembro de 2016

E A SUA MÃE TAMBÉM

Assisti novamente, depois de um bom tempo, E a Sua Mãe Também, filme mexicano de 2001, dirigido por Alfonso Cuarón e tendo como um dos protagonistas Gael García Bernal, ainda garoto.
O filme continua grande. O triângulo amoroso entre dois adolescentes de classes abastadas no México e uma mulher mais madura, com todos os medos, revelações e um amadurecimento dolorido, criam um confronto das idiossincrasias da juventude burguesa ante a realidade do país. O trio de atores é completado com Diego Luna e Maribel Verdú,  o pano de fundo, explode nossos sentidos, sempre trazidos por um locutor em off. É a realidade do México rural, das comunidades de pescadores e povoados astecas.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

AVENTURAS DE UM CINECLUBE

Não sei precisar com exatidão, mas entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990, participamos da fundação da zonal da CUT – Central Única dos Trabalhadores, em Caieiras.

Essa zonal nasceu em função de uma sede do Sindicato dos Plásticos e Químicos, atrelado à CUT, que já funcionava no município fazia algum tempo. Também tinha apoio do Sindicato dos Coureiros, que tinha grande atuação em Caieiras, em razão da sede da indústria de malas Primícia ter-se transferido de São Bernardo do Campo para cá. A sede da CUT funcionaria dentro do prédio do sindicato dos plásticos.

Nesse período, embora já desligado do PT – Partido dos Trabalhadores, acabei ficando, informalmente, responsável pela parte cultural da zonal.

Acho que o primeiro atrito em que estive envolvido foi quando convidei o Maurício Tragtenberg, com quem vinha mantendo contato havia algum tempo, para uma palestra. Aqueles sindicalistas tradicionais, de cartilha básica do marxismo, ficaram indignados quando descobriram que o Tagtenberg  era um libertário, ou social-libertário, como se definia.  No período em que fiquei por lá essa foi a primeira e última palestra acontecida no local.

O cerceamento cultural, principalmente em Caieiras, sempre foi brutal. Todo e qualquer evento estava em mãos de grandes empresas, igreja ou candidatos a cargos públicos. Qualquer outra manifestação, com sorte, era ignorada, caso contrário, caso de polícia. Agora encontrava também dentro do setor que, à época, era considerado o mais avançado do país... pelo menos no que diz respeito a reivindicações econômicas.

Tentando dar uma driblada em tudo isso, junto a alguns amigos, resolvemos criar um cineclube de exibição. Era o auge do videocassete. Não era qualquer um que podia comprar um aparelho, pois era bem caro. No final nos cotizamos, acho que umas dez pessoas, e compramos o último modelo da Sharp. Esses amigos nem todos eram do PT, alguns simpatizantes e outros nem que sim, nem que não.

Esse cineclube de exibição funcionaria, de forma independente, dentro da sede do sindicato dos plásticos, dando a impressão de ser um adendo da CUT.

Assim, todo final de semana teríamos três filmes em exibição. Um filme que teria discussão após a exibição e os outros dois mais com o intuito de diversão, não havendo necessariamente discussão. Os filmes eram escolhidos pelas indicações das pessoas envolvidas, independente de ser cotista ou não.

Houve um começo em que a coisa funcionou bem, mas não durou muito. Aí neguinho, principalmente não cotista, começou a levar filme pornô em horário de expediente, tanto do sindicato quanto da CUT. Dá pra imaginar um operário, ou uma operária, entrando no sindicato atrás de informações e dá de cara com um bando de marmanjos, com déficit sexual, assistindo filme pornô.

Bom, demos um corte nisso. Mas a coisa não parou aí. Conforme tínhamos determinado, o videocassete ficava guardado na sede do sindicato, então algumas pessoas passaram a leva-lo sem autorização para suas casas. Chegava o final de semana onde faríamos as exibições, vamos dizer, oficiais, onde está o aparelho? Ah, está na casa de não sei quem... e corre pra ir buscar. Foi aí que a coisa começou a degringolar, pois todo mundo se achou no direito de também ficar com o videocassete em casa. Alguns, na malandragem, ficavam semanas com o aparelho e não havia maneira de encontrar o sujeito para resgatar. O duro era justificar para aqueles que cotizaram na compra do videocassete.

A presença física do Sharp foi ficando cada vez mais rara, assim como as exibições e discussões. Após isso, um grupo de esquerda mais “radical” foi tomando conta do espaço e do videocassete que, em pouco tempo, desapareceu sem deixar qualquer vestígio.


Por mais que viva hoje em um mundo digital, minha memória ainda é analógica. Claro, algumas vezes a fita enrosca. 

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 08

Tudo permanece exatamente igual, desde sempre, quando tudo já não era novo.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 07

Tantos mortos no entorno que é uma afronta estar vivo.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nº 06

Quando penso, pode ser apenas cafuné!

TÁ VÉIO, HEIN?

Aquilo que o excesso de anos me deu de mais positivo, foi a segurança nas minhas decisões pessoais. Não evito ou temo qualquer passado.

LIMBO

O que me resta? Se saudável, o prêmio de mais alguns poucos anos.
Não me permito retroagir a um passado confortável e morto.
Nem sua mórbida visita ao ontem, que procura manter-me lá.


Sempre me restou avançar.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

BLACK MIRROR

As redes sociais são um fenômeno incontestável de comunicação entre pessoas. Verdades, mentiras, superficialidades e intimidades rapidamente se espalham, em uma velocidade alucinante jamais vista na história da informação.

Esse excesso de informações, obviamente, desvia a atenção do usuário de questões relevantes que poderiam lhe trazer algum interesse. Podemos comparar a um civil, em tempos de guerra, perdido em meio a um bombardeio das forças inimigas. Pra onde correr? A quem ocorrer?

O esforço para peneirar tudo isso é por demais desgastante. Se buscamos informações, sem a necessidade de atravessadores da superficialidade, as fontes confiáveis são muitas e basicamente com um click estamos lá. Mas, claro, quem ficará sabendo que você está sabendo? Faz-se necessário o compartilhamento daquilo que você sabe. Um like é um prêmio.

Uma das justificativas dos usuários convictos das redes sociais é o relacionamento com amigos, conhecidos, o “encontrar” pessoas que não viam desde os tempos da escola e atualizar, dessa maneira, décadas de vida não compartilhada. E sua existência é confirmada pelo número de “amigos”. Ali, praticamente ninguém se sente vivo sem que esses olhos pousem sobre sua exibição.

Claro, isso é bacana. Reencontrar uma pessoa que teve uma importância em sua vida e sabê-la bem é reconfortante. No entanto, a comodidade das relações virtuais manterão essas pessoas recém-reencontradas tão distantes quanto as décadas perdidas. Algumas vezes, de forma rara, marcam-se encontros, que raramente irão repetir-se.

No geral, esperam reencontrar, no amigo (a), a mesma pessoa que foi 10, 20 ou 30 anos atrás. Não conseguem perceber sua própria mudança e a ideia de uma adolescência ou juventude eterna determinam as expectativas, seja de prazer ou decepção. Essas experiências “carnais”, ali cara-a-cara, logicamente, expõem a todos, onde reside o temor, o medo que um computador mascara.

Durante muito tempo estive envolvido nessa virtualidade das redes sociais. Nelas reencontrei alguns poucos amigos que ainda assim os considero. A grande parte não considero mais como tal. Também fiz algumas poucas novas amizades. Quando utilizo algum, alguns ou poucos são, de fato, na proporção mínima. O restante é superficialidade.

Muitas pessoas, por uma razão ou outra (nunca sabemos o que passa pela cabeça delas), acabaram por me supervalorizar. Talvez por acreditar que me ter como contato lhes conferia alguma importância, procuravam marcar presença nas postagens com likes, alguns raros comentários e compartilhamentos.

Tenho consciência que sempre mantive uma postura diferenciada em minhas postagens. Procurei agir com honestidade, sem máscaras e sem envolvimento íntimo quando assim o exigia. Fui muito crítico e claro em meus propósitos. Não fiz média ou proselitismo gratuito com ninguém. Sempre deixei muito claro de quem, ou daquilo, que gostava e não fechei os olhos para questões agressivas, preconceitos ou conservadorismo. Recebiam na mesma moeda. Fosse quem fosse.

Sim, talvez isso fosse um ideal entronizado no subconsciente dessas almas no pastoreio, além dessa absurda mitificação em torno do poeta, do vanguardeiro ou aquilo que eles acreditam ser um intelectual. Entendo ser por aí o caminho de muitos dos meus poucos contatos nessas redes sociais.

Recentemente, quando me decidi por sair desse enredamento, comuniquei a todos e deixei ali outros meios pelos quais poderíamos manter contato. Físico, preferencialmente. Claro, entre as pessoas de quem gosto, algumas vivem muito distantes, inclusive em outros países. Fizeram certo estardalhaço pedindo para que eu revisse minha decisão, que não saísse e etc. Reafirmei os tantos processos pelos quais continuaríamos mantendo contato, seja por e-mail, por carta, meu blog, por telefone e, repito, ali ao vivo.

O resultado disso é que duas pessoas me ligaram, duas me mandaram um e-mail e duas me contataram pelo blog, isso em um universo de aproximadamente 150 “amigos”. Para muitas pessoas isso pode parecer frustrante, mas para quem, como eu, sempre foi consciente e crítico dessas relações, algumas supostamente profundas, há certo sentimento de, confesso, prepotência, diante da confirmação.

Também há um alívio em tirar o peso, em ser referência, das costas.

domingo, 13 de novembro de 2016

TRÊS DA MADRUGADA

Claro, venha. sou espera e você minha sem hora.

A SONG FOR YOU

- Morreu o Leon Russell.

- Mas que porra era esse Leon Russell?

- Aquele que escreveu A Song For You.

- Ah, não conhecia.

Assim Leon Russell não vai ser lembrado.  Aqueles que ouviram seu nome foi em função dessa canção. Poucos saberão que foi considerado um dos cinco maiores músicos que o rock produziu. Será enterrada com ele a loucura da excursão Mad Dog And Englishmen, junto com Joe Cocker. O trabalho dele colaborando com gente como John Lennon o George Harrison e tantos outros não terá missa de sétimo dia.


Fica uma canção pra vocês!

sábado, 12 de novembro de 2016

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nª 004

DIÁLOGOS INSENSÍVEIS 

Rodrigo Machado Freire: o diabo é o rabo que deus esconde por vaidade.

Eu: deus também pode ser o pinto que o diabo exibe por prepotência.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nª 003

Existir, que supostamente se confirma pelo meu pensar, não garante eu ser. Não importa o que for.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nª 002

Olha, estou cagando e andando, portanto, não venha atrás.

PROTOCOLOS EXISTENCIAIS Nª 001

Agora não mais urbanidades, urgências, expectativas ou exigências. Resta saber se a existência me bastaria

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

FALANDO DA ROTUNDA







Tocar em uma banda de rock é algo que dá tesão. Esse prazer vem principalmente quando todos os membros têm a consciência de não pretender ser a melhor banda de rock do mundo, ou mesmo do pedaço. É muito gratificante saber que nenhum está preocupado com sucesso, ainda que seja em barzinhos ou eventos de clubes de motociclistas.

Assim funcionamos. Sabemos de nossas limitações como músicos, mas apostamos em nossa criatividade, que sempre nos empurra pra frente. Trabalhamos com mais de 95% de músicas autorais e alguns poucos covers rearranjados. Também apostamos muito na qualidade de nossas composições.

Óbvio que temos uma série de conflitos, afinal somos cinco seres humanos, ou que se pretendem como tal, e nenhum gato ou cachorro como mascote. Filhos, namoradas, esposas, familiares e amigos fazem parte da tietagem, garantindo um acréscimo na soma final do número de fãs e, algumas vezes, um motivo de apaziguamento nos ânimos exaltados
.
Esses conflitos tem origem na formação cultural e musical de cada um, levando-se em conta também a diferença de idade. Um não suporta MPB, outro abomina rock progressivo, aquele detesta Ramones. Um fica discutindo filosofia, outro falando de poesia, aquele fazendo a cabeça, como dizíamos lá pela década de 1970. Tem aquele que é mais taciturno, tem outro que fica só na piada, um que prefere ficar mais quieto e, claro, não podia deixar de ter o tradicional chato. Sem contar que três moram em Franco da Rocha, um em Francisco Morato e outro em Caieiras.

O que nos mantém unidos, além desse trabalho que envolve a banda, é o poder que nos unge proveniente dos Beatles, John Lennon, Jimi Hendrix, Rolling Stones, Creedence Clearwater Revival, Neil Young, Lou Reed, David Bowie e tantos outros que não cabem no espaço. Força matriz e motriz.

Com tudo isso, hoje mais libertos, vivemos o melhor momento da banda, com a formação atual. Estamos mais afiados, nos entendendo, produzindo e tocando melhor.

Esse bom momento está intimamente ligado à resolução de problemas pessoais, que muitas vezes interferem, mas, principalmente ao convívio com os membros mais novos. Um sentir-se a vontade, como via de mão dupla, é que faz toda a diferença.

Assim, já contatamos um estúdio de gravação pra começar a montar nosso CD. Pretendemos fazê-lo em etapas, pois convidamos alguns outros músicos para que participem de algumas faixas. 

Portanto, ensaios a mil. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

FALANDO DE LI

Por uma série de questões, ninguém gostava muito dela no serviço, inclusive eu. Era muito bonita e extremamente provocativa, reconhecendo-se como tal.

Após uma séria discussão com um diretor da empresa, ela entrou na copa, onde eu estava tomando café, chorando, caiu ao chão, desmaiada.  Prontamente levantei-a com cuidado, colocando-a sentada, tentando reanimá-la. Chamei alguns funcionários para que me ajudassem, mas, pela antipatia adquirida, ninguém se dispôs.

Claro, preocupado que estava não havia percebido a armadilha. Quando parecia ter voltado a si, disse-lhe que havia me dado um susto.

- Por que você não se aproveitou? Perguntou na maior safadeza e caindo na gargalhada. Foi quando percebi o teatro todo.

Com isso, fui perdendo as reservas e ficando mais amigo dela.

Uma de suas provocações prediletas, nessa ocasião, era agachar fazendo com que a calça descesse e a calcinha e o rego da bunda ficassem aparecendo.

- Tem uma calcinha fugindo, brincava eu.

- Ah, então vem arrumar pra mim, respondia na lata, encostando-se a mim.

Com essa aproximação tornamo-nos mais íntimos e fui algumas vezes, após o expediente, até sua casa, que era razoavelmente próxima da empresa onde trabalhávamos. Essa curta distância também permitia ir algumas vezes almoçar com ela.

Ela ficou poucos meses na empresa. Depois que ela foi demitida a reencontrei apenas uma vez na estação ferroviária. Mal deu pra gente se falar.
Depois soube que ela havia ido para o Japão, onde já havia morado anos antes. Após isso não tive mais notícias.

Estava em casa sossegado, havia acabado de falar com minha filha e minha irmã ao telefone. Quando me preparava para ligar ao advogado, que está cuidando das minhas pendências profissionais, eis que o telefone toca.

- Pronto! Atendi.

- Quer vir almoçar aqui comigo?

- Quem está me convidando? Perguntei.

- A Li... Não reconhece mais minha voz?

Depois de uma rápida atualizada de nossas vidas, disse-lhe que iria ligar ao advogado e topava o almoço. Combinamos que ela me apanharia na estação ferroviária de Caieiras.


Assim foi um dia de histórias orientais, em plena quarta-feira de feijoada, animando nosso império em todos os sentidos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmm...

- Pronto!

- Por favor, o Sr. Marco Antonio.

- Desculpe, mas não tem ninguém aqui com esse nome.

- Nem Marco Antonio Oliveira?

- ...