quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

RECIFE 1978 - Primeira parte

Em 1978 decidimos ir embora pra Recife. Era um bando formado pelo meu irmão Carlos, meus primos Nelson e Rogério, o Mário e eu. Meu primo Sidnei já estava morando lá.

Ficamos morando no centro de Recife, em um apartamento na esquina da Av. Boa Vista e a Rua do Hospício. Cenário que ressoava os passos soturnos do poeta Augusto dos Anjos.

Como chegamos com aquele aspecto ripongo, armados de violões e outros instrumentos musicais, rapidamente o apartamento transformou-se em ponto de encontro dos malucos de Recife. Músicos, junkies, hippies, gays e lésbicas abarrotavam o apartamento de três cômodos.

Lembro-me com muito carinho da Marta, garota lésbica, que largou a família para morar com a gente e de Tereza que, em início de gravidez, tornou-se minha companheira.

Não me recordo de onde foi proveniente e nem com qual intenção, alguém levou um saco, sim, um saco de uns comprimidinhos, de cor entre azul e violeta, que eram usados como “sossega leão” nos internos agressivos do Hospital Psiquiátrico do Juqueri. Ninguém tinha interesse em consumir aquilo e eles ficaram por ali.

Havia uma junkie, no sentido mais profundo da palavra, chamada Maga, que frequentava habitualmente o apartamento, com uma amiga que já não lembro o nome. Um dia ela descobre os malditos comprimidos. Vai ao banheiro e dissolve um deles com a água da pia, em seguida, com uma seringa, aplica na amiga. Depois, sem exagero ou figura de linguagem, dissolve 12 comprimidos e se aplica. Fui para o quarto com ela e o Rogério com a amiga. O restante da cambada ficou na sala.

Depois de algum tempo o Rogério percebe que a menina está passando mal. Foi aquele desespero. Meio desmaiada, pálida e vomitando. Puta overdose. A Maga, com os 12 comprimidos nas veias, tomou conta da situação e, com nossa ajuda, conseguiu fazer com que a garota se recuperasse e, o mais inacreditável, levou a amiga, ainda meio cambaleante, para casa. Por pouco as consequências não foram trágicas. Alguém deu fim naquela porra.

Drogas, ali, eram tão fartas quanto baião-de-dois ou macaxeira com carne seca. Maconha, cogumelo de zebu ou mesmo LSD, que um inglês, morador do sexto andar do mesmo prédio, tinha em estoque. Nunca chegamos conhecer o tal inglês, apenas seu companheiro, Marquinhos, um surfista carioca. Gente boa pra caralho.

Nosso apartamento ficava no quarto andar, com vista para a Avenida Boa Vista, uma das principais de Recife. Durante horas ficávamos na janela observando a movimentação maluca daquele lugar. Era cego, com barraquinha e tudo mais, vendendo maconha em plena luz do dia. Era policial roubando a maconha do cego e sair correndo. Tudo muito absurdo para nós então.


Foi ali, em uma livraria, próxima ao prédio onde morávamos, que comprei o livro América, do Franz Kafka. Poderia ser Uma Temporada no Inferno, do Rimbaud, mas acho que nada fazia sentido.

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