Em 1978 decidimos ir embora pra Recife. Era um bando formado
pelo meu irmão Carlos, meus primos Nelson e Rogério, o Mário e eu. Meu primo
Sidnei já estava morando lá.
Ficamos morando no centro de Recife, em um apartamento na
esquina da Av. Boa Vista e a Rua do Hospício. Cenário que ressoava os passos
soturnos do poeta Augusto dos Anjos.
Como chegamos com aquele aspecto ripongo, armados de violões
e outros instrumentos musicais, rapidamente o apartamento transformou-se em
ponto de encontro dos malucos de Recife. Músicos, junkies, hippies, gays e
lésbicas abarrotavam o apartamento de três cômodos.
Lembro-me com muito carinho da Marta, garota lésbica, que
largou a família para morar com a gente e de Tereza que, em início de gravidez,
tornou-se minha companheira.
Não me recordo de onde foi proveniente e nem com qual intenção,
alguém levou um saco, sim, um saco de uns comprimidinhos, de cor entre azul e
violeta, que eram usados como “sossega leão” nos internos agressivos do
Hospital Psiquiátrico do Juqueri. Ninguém tinha interesse em consumir aquilo e
eles ficaram por ali.
Havia uma junkie, no sentido mais profundo da palavra, chamada
Maga, que frequentava habitualmente o apartamento, com uma amiga que já não
lembro o nome. Um dia ela descobre os malditos comprimidos. Vai ao banheiro e
dissolve um deles com a água da pia, em seguida, com uma seringa, aplica na
amiga. Depois, sem exagero ou figura de linguagem, dissolve 12 comprimidos e se
aplica. Fui para o quarto com ela e o Rogério com a amiga. O restante da
cambada ficou na sala.
Depois de algum tempo o Rogério percebe que a menina está
passando mal. Foi aquele desespero. Meio desmaiada, pálida e vomitando. Puta
overdose. A Maga, com os 12 comprimidos nas veias, tomou conta da situação e,
com nossa ajuda, conseguiu fazer com que a garota se recuperasse e, o mais
inacreditável, levou a amiga, ainda meio cambaleante, para casa. Por pouco as
consequências não foram trágicas. Alguém deu fim naquela porra.
Drogas, ali, eram tão fartas quanto baião-de-dois ou
macaxeira com carne seca. Maconha, cogumelo de zebu ou mesmo LSD, que um inglês,
morador do sexto andar do mesmo prédio, tinha em estoque. Nunca chegamos
conhecer o tal inglês, apenas seu companheiro, Marquinhos, um surfista carioca.
Gente boa pra caralho.
Nosso apartamento ficava no quarto andar, com vista para a
Avenida Boa Vista, uma das principais de Recife. Durante horas ficávamos na
janela observando a movimentação maluca daquele lugar. Era cego, com
barraquinha e tudo mais, vendendo maconha em plena luz do dia. Era policial
roubando a maconha do cego e sair correndo. Tudo muito absurdo para nós então.
Foi ali, em uma livraria, próxima ao prédio onde morávamos,
que comprei o livro América, do Franz Kafka. Poderia ser Uma Temporada no
Inferno, do Rimbaud, mas acho que nada fazia sentido.