segunda-feira, 27 de março de 2017

FEMUCA - FESTIVAL DE MÚSICA DE CAIEIRAS

Quando foi anunciado o festival, que aconteceria entre o final de 1979 e começo de 1980, acirrou uma cisão que já vinha ocorrendo na turma. Era uma bobagem infantilóide calcada em supostos gostos musicais. Havia uma parcela da turma que se proclamou defensora do bom gosto musical. Só ouviam Chico Buarque, Edu Lobo ou Milton Nascimento. Não havia espaço para quem gostasse de Caetano, Gil e rock, parcela onde eu e meu irmão estávamos encaixados. Era tão idiota, que acreditavam que, com o nosso gosto, seria impossível que pudéssemos gostar daquilo que eles gostavam.
Com isso cada qual resolveu fazer sua música e montar seu grupo. Musicalmente, eu e meu irmão ficamos de fora. Resolvemos não participar do tal festival, pois não havia gente pra montar uma banda.
Conversa vai e conversa vem, alguém deu o toque de um guitarrista que morava perto de casa. Não o conhecia. Era o Darci, um mecânico de automóveis, super fã da Jovem Guarda e do Roberto Carlos. Nisso ele indicou um parente dele que poderia tocar contrabaixo. Era um garoto chamado Gersinho, atual prefeito de Caieiras. Trouxeram o Luciano, que tocava bateria e trompete, complementamos com meu primo Rogério e o Bahia na percussão, o Tonho no violão e a Dora e Angela, irmã da Carmem e do Dudé, nos backing vocals. Eu no violão de 12 cordas com um pedal wha-wha, meu irmão e o Mário Barnabé nos vocais.
Tínhamos consciência das limitações do nosso grupo e optamos por uma apresentação de impacto e com um arranjo ousado. Tínhamos que apostar na criatividade. Isso para a música aprovada, pois a segunda foi censurada pelos versos: Digo agora dessa gente / Que aceita de mão beijada / A civilidade do povo / Que também é militarizada. Música minha e do meu irmão.
A música que passou era “As Mágoas do Rio Juqueri”, que fiz em parceria com o Marcos. Originalmente essa música tem uma levada meio dixieland, um jazz meio primitivo. Com essa formação da banda, viramos a música do avesso: uma percussão afro pesada, com tumbadoras, atabaque e bongôs, as meninas fazendo um backing lisérgico e alucinadamente sensual, na frente a androginia provocante do Kaká e do Mario. O lado mais rock ficava comigo, o Darci e o Gersinho. Quando descobri que o Luciano, baterista, tocava trompete, ampliei o arranjo. No meio da música parava tudo e só ficava o peso da percussão e bateria. Aí o Luciano levantava, só marcando o bumbo com o pé e fazia um super solo de trompete. Isso arrebentou.
Desde a primeira eliminatória foi um puta sucesso. Alguns detalhes ajudaram muito. Coisas que ninguém pensava. Xerocamos a letra, com uma ilustração minha, e distribuíamos para todo público, em todas as 3 eliminatórias. Todo mundo cantava junto. No lugar do tradicional 1, 2, 3 pra começar a música, as meninas gritavam JU-QUE-RI. Acabou virando grito de guerra do público, cada vez que entrávamos. Ah, antes do grito, a Dora contava uma historinha sobre o significado da palavra Juqueri, nome indígena para a planta conhecida como Dorme-Maria, comum aqui na região.
Por outro lado, a apresentação acabou chocando os conservadores, gente ligada a organização do festival e prefeitura. Aliás, um júri incompetente, formado por mulher de prefeito, filha de não sei quem e por aí afora. Só chegamos até a final por força do público que a gente garantia, concorrendo ao troféu de melhor torcida com a banda do Mário Rizardi.
A coisa aconteceu de maneira muito esquisita. Todos os concorrentes tinham que chegar ao Centro Esportivo com bastante antecedência. Cada grupo ficava instalado em uma das salas do local, não podendo sair. Eles serviam lanches, mas, nas três apresentações, quando chegava nossa vez, o lanche acabava... rs rs rs... No entanto, eles proibiam bebidas alcoólicas, mas sempre entramos com garrafas de vodka e conhaque.
Na final, estávamos na sala aguardando nossa vez, quando entra um funcionário da prefeitura e diz que um primo meu havia sido preso e estava pedindo pra gente ir até a delegacia para soltá-lo. Bom, decidimos que iríamos até lá, embora custasse nossa desclassificação. Por sorte, já na porta, prontos pra sair, passa um amigo nosso, o Davi, e conto o que estava acontecendo.
- Mentira. Acabei de encontrar seu primo agorinha ali na frente.
Não preciso dizer mais nada, né? Finalizando: ninguém do bom gosto musical chegou até a final. Acabamos ganhando, como consolo, o troféu de “Melhor Torcida”, que recusei e entreguei para o Pururuca, um garoto que organizou a meninada. O vencedor foi um menino, acho que com uns 7 anos de idade, cantando alguma coisa nos moldes do sertanejo romântico. O segundo lugar ficou com uma dupla sertaneja e o restante não me lembro.
Muitos outros detalhes acabei deixando de fora, pois a coisa iria ficar extensa. Mas é por aí.

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