sábado, 3 de dezembro de 2016

ANDANDO NA LINHA 02

Manhã de verão, indo para o trabalho. Trem absurdamente lotado. As pessoas mal conseguiam mover os pés. Não havia espaço. Tão concentrados que garantiam o equilíbrio no balanço do trem. Batalha de perfumes e cabelos molhados, cheirando a condicionador, que te ensopa a camiseta, compete com o sujeito que tenta ler um jornal, esfregando as folhas em tua cara.

O falatório dentro de uma composição lotada é algo, literalmente, incompreensível. Romances, brigas, futebol, política e fofoca é o suco final desse liquidificador coletivo.

Ao meu lado, em meio a esse burburinho, ouço uma voz mais alterada que se sobrepunha às outras. Era uma senhora de meia idade que gritava histericamente com cada homem que encostasse nela, como fosse possível evitar isso dentro daquela Auschwitz sobre trilhos. E o pior, na tentativa de afastar-se de qualquer homem, ela vinha gritando e se aproximando de costas para mim.

Não deu outra. Bateu de bunda na lateral do meu comprimido e pudico corpo.

Olhou-me e começou a me xingar, dizendo que não encostasse nela e sei lá mais que injúrias e impropérios. Espremendo daqui e dali consegui afastar-me da senhora com pretensões a ser abusada por todos os homens, grande maioria, ali presentes.

- Eu é que não quero ser encostado pela senhora. Não quero ser contaminado! Disse-lhe com um canastrão ar de indignidade.

Entre raivosa e espantada, ela mordeu a isca dizendo que não tinha nenhuma doença.

- Minha senhora, ignorância também pega. Falei olhando firmemente pra ela e mantendo prudente distância.


Com algumas risadas equilibrou-se o burburinho. Calou-se como dormentes.

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