terça-feira, 22 de novembro de 2016

UMA SENHORA



Domingo passado, aquele calor que vai deixando a marca da segunda-feira tatuada no corpo, eu e um primo nos recuerdos e conversa mole, em pura bundação, eu largado no sofá e ele em uma poltrona, na sala de casa. Cenário de que nada de extraordinário poderia acontecer, ou que nos obrigasse a tirar as bundas confortavelmente instaladas.

Toca o telefone e, com o pouco de vida que ainda me restava, fui atender. Do outro lado a voz de uma senhora, aparentando ser idosa, perguntava sobre minha mãe. Disse-lhe que minha mãe já havia falecido fazia 10 anos. Ela permaneceu em silêncio durante algum tempo, depois, visivelmente emocionada voltou a falar comigo. Parecendo um tanto inconformada com o fato, fez-me uma série de perguntas e, finalmente, lamentando e dizendo-se muito triste com a notícia.

Contou-me que minha mãe, quando foi responsável pela creche dos filhos dos funcionários do hospital psiquiátrico do Juqueri, havia sido sua chefa e trabalharam juntas durante um bom tempo. Depois perguntou pelo meu nome e qual dos dois meninos era eu. Ela se referia também ao meu irmão. Até os 5 anos de idade fiquei nessa creche. Disse-lhe que eu era o mais velho, o Rubens. Ela riu e perguntou-me se eu me recordava quando dizia que ela era minha namorada. Não me recordei, pois com essa informação houve confusão em minha memória.

A senhora está hoje com 78 anos, eu com 61. Na creche, onde minhas lembranças alcançam, eu estava com a idade entre 4 e 5 anos, portanto, ela estaria, à época, com 22 ou 23 anos.

A confusão em minha cabeça se faz por eu me recordar de outra funcionária da creche, por quem eu nutria minha paixão infantil, Terezinha Hidalgo, hoje falecida, de quem guardo o rosto até hoje, com seus grandes dentes salientes. Será que foram duas paixões que embuti em uma só?

Conforme a conversa foi transcorrendo fui deixando a mulher cada vez mais consternada, pois o desfile de mortos não parava de crescer, à medida que ela ia me perguntando. Minha mãe, meu pai, meu irmão e mais algumas pessoas das quais ainda conseguia me recordar. Finalmente pediu-me para que me informasse sobre outra antiga amiga de serviço, que mora aqui em Caieiras, se estaria viva, se poderia conseguir telefone, etc. Através de uma conhecida soube que essa amiga dela está viva e bem lúcida. Ficou de mandar o número do telefone da casa dela para que eu possa enviar para minha antiga “namorada”.

Ao final da conversa, já menos abatida, deu-me seu endereço, mora em Jundiaí com a filha, e insistiu para ir visitá-la, pois quer muito me rever.

Conversei com minha filha e, assim que estiver de posse do número do telefone da sua amiga, vamos juntos visita-la. Quero muito vê-la. Quero muito, não rever, pois a memória me tirou a primeira vez, mas estar perto de quando ainda me era possível ser paixão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário