Era o último trem e
tinha que pegá-lo. A noite estava muito fria e uma chuva fina e gelada mal me
deixava ver a hora que tardava no relógio, no alto da torre, da estação da Luz.
Desci correndo para a
plataforma onde o trem já estava estacionado, com a preocupação de conseguir
entrar antes que as portas automáticas se fechassem.
Entrei e sentei-me a
lado do único ocupante do vagão, ainda sem me dar conta disso, pois me faltava
ar pela correria, além da tensão dos últimos tempos em função dos acontecimentos
sociais e políticos que atravessava o país. Esses pensamentos e a tentativa de
respirar rodavam na minha cabeça.
Quando a composição
saiu, após o estridente apito, o homem estendeu-me a mão num cumprimento e se
apresentou.
- Boa noite, sou
Franz Kafka, já não nos conhecemos de algum lugar?
Ainda absorto na
fadiga e conjecturas e com espanto de tê-lo percebido nesse momento,
apertei-lhe a mão firmemente com uma expressão de dúvida quanto a conhecê-lo.
Perguntou-me,
talvez na tentativa de uma boa conversa investigativa, sobre meus amigos. Eu já
não tinha amigos. Respondi, um tanto indiferente, perguntando sobre seu pai.
Calamo-nos, e calados fomos até a próxima estação.
O
trem foi parando muito lentamente na plataforma e ao abrir a porta, além do
vento gélido, foi invadido por uma multidão de vendedores ambulantes que
seguiam um macaco, imitando-o na venda de suas mercadorias.
O
macaco ofereceu-me um cigarro e, apesar da proibição de se fumar no local,
aceitei. Kafka recusou.
-
Pegue um – insistia o macaco, nós, os macacos também somos proibidos de vender
coisas no trem.
Após
a insistência ele aceitou um dos cigarros e o guardou no bolso. Talvez
realmente não fumasse ou, simplesmente, decidira deixá-lo pra mais tarde.
Os
vendedores iam entrando a cada estação que o trem parava e já não mais havia
espaço para se locomover. Já não prestavam mais a atenção ao macaco, que lia tranquilamente
uma revista sobre programação de TV, e lentamente, um a um foram nos
envolvendo, aos empurrões, em busca de um espaço que os aproximasse de nós
dois.
Foram
nos empurrando mercadorias sobre mercadorias.
Em
meio a tanta coisa que comprávamos, papéis e contratos que íamos assinando,
alguns mesmo sem ler, começou a me faltar ar novamente, como se tivesse ainda
correndo pra não perder o horário. Fui perdendo contato e nem mais conseguia
ver meu companheiro em meio a tanta gente, papéis e quinquilharias.
Uma
estação antes do meu destino o trem parou e comecei a ficar preocupado como
iria conseguir descer se mal conseguia me mover. Demorou a abrir as portas.
Assim
que foram abertas, os vendedores foram saindo um a um, cumprimentando
amigavelmente dois seguranças da estrada de ferro que entraram acompanhados de
um grupo de policiais militares fortemente armados.
Postaram-se
agressivamente à nossa frente e sem dizer uma única palavra nos colocaram
violentamente para fora do vagão. A plataforma já estava completamente vazia...
nunca mais fomos vistos.
O
macaco, única testemunha, nunca foi aceito enquanto tal.
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